domingo, 27 de junho de 2021

O comunista do café Rian - Start


 Toda vez que abro o álbum de fotos e me vejo ali, estático, braços cruzados à porta do Café Rian, vem-me a mente um passado cheio de cores, novidades, loucuras e aventuras, tempos que muitos desejam esquecer mas que para mim foram tempos de descobertas e crescimento. As lembranças afloram em minha mente como um flash fotográfico, cujos fragmentos estão sendo reunidos nessa crônica.

Boa leitura! 

Chapter 7

 E seguia...


Chapter 6 - As donas boas

 


As "donas boas" da rua da Praia, nos dias de semana pela manhã, eram maravilhosas!!!! Meu queixo caia a cada cotovelada de meu tio apontando aquelas maravilhas.  A nata de mulheres bonitas, cinturas finas, seios avantajados, requebrados insinuantes... Eram manhãs que entre um cafezinho  e outro, passavam voando. 

Entre cigarros e cafés, conversas de todos os gostos, desde o futebol e das jogadas do lateral esquerdo colorado, Sadi Schwerdt,  às mancadas de Didi, e não era o trapalhão mas sim o atacante do colorado que passava por ali seguidamente e, todos mudavam de assunto ou ficavam quietos, eu não sabia o porquê... Saberia depois por causa de 2 uruguaios... 

Chapter 5 - Imaginação

 

Como disse, o aroma do fumo me embriagava, conduzia-me ao êxtase, fazia minha alma viajar milhas nas estórias propostas em uma imaginação fértil. Estávamos nos anos áureos da ditadura, nada podia ser discutido entre quatro paredes... A rua era o palco ideal! E alí, na calçada da rua, sentados em cadeiras de praia, nada era mais  normal... Família reunida era tudo de bom para aqueles tempos confusos e conturbados...

Voltando a nosso relato inicial, já se passava com certeza metade da década de 60 quando sai do apartamento da Vasco Alves, pra quem não sabe, Gen herói das batalhas Cisplatinas, para caminhar pela rua dos Andradas, por acaso, bem no inicio de tudo... Ali nasceu Porto Alegre!!! Salustiano com rua dos Andradas... Poucos metros de nossa casa!!! Mas deixemos isso pra lá.

Eu seria apresentado as mais belas "donas boas" da capital, isso sim valia a pena, meu tio, meu amigo amado só escutando Raul Torres pra entender. 

Chapter 4

 

No final de ano a casa ficava cheia. Meus tios chegavam para o Natal e Ano Novo com malas, filhas e todo o tipo de novidades. Meu avô recebia todos na casa com muito orgulho e sem parcimônia. 

Pai de quatro filhos, o vô Gustavo fazia questão de reunir toda a família, pequena para àqueles tempos. Meu pai, o primogênito, servidor público do estado, tinha três filhos, eu e minhas doces e queridas irmãs. Leda, minha tia professora, não tivera filhos. Vilmar, o "Gordo", meu tio bonachão, exator da mesa de rendas, tinha duas filhas e, o mais novo dos quatro, Gustavinho, terceiro sargento do exército tinha apenas uma filha. 

Eu era o único neto homem de meu avô, aquele que teria que dar continuidade ao sobrenome da família, era um peso enorme sobre minhas costas e todos cobravam, menos ele, meu tio...

Amigo da Onça
Sentávamos à frente da casa para jogar conversa fora e ver os raros
carros e transeuntes que passavam naquela quadra formada por apenas seis casas e a oficina mecânica do Baixinho, um picareta com cara de "amigo da onça" cuja simpatia era discutida por todos... 

Entre uma baforada e outra, se discutia de tudo. Gustavinho matava no peito um Continental sem filtro, meu tio economista, mais sofisticado, curtia um Carlton ou um Charm, eram os únicos fumantes da família. 

O aroma do fumo me hipnotizava e era fácil tornar-se personagem nas estórias contadas...

Chapter 3

 E assim minha visão foi abrindo, na verdade eu era limitado como todo garoto da minha geração. Buscava-se o conhecimento sobre coisas simples apenas na sala de aula, fomos adquirir uma TV somente em 1972, informação mesmo, somente quando íamos na casa de vovô.

Meu avô, viúvo, mecânico naval aposentado, trabalhou parte de sua vida embarcado. morava com Maria Antônia, prima da falecida vovó, hábil costureira  que se acomodou na casa desde jovem quando veio pra cidade trabalhar na fábrica de Fiação &Tecidos, e por ali ficou até seus 99 anos. Solteira convicta, Bibi como era chamada pelas crianças, dormia em um quarto contiguo ao de vovô unidos por uma porta que permanecia sempre aberta.


O velho tinha adquirido uma habilidade espetacular com torno e forja graças ao tempo que esteve embarcado. Ele contava que muitas vezes teve que fazer peças para consertar o velho vapor balizador Benjamin Constant, com fortes ventos sudoeste no meio da Lagoa dos Patos  tendo que escapar da depressão da Feitoria para não encalhar. 
 
Na casa não tinha chuveiro elétrico, a água era aquecida em uma caldeira que ele havia feito na rua, ao lado do banheiro. Ali ele queimava jornais velhos e lenha seca que recolhia no quintal.  Em sua oficina encontrava-se ferramentas de todos os tipos, a maioria produzidas por ele com meticulosidade e paciência, coisa que não lhe faltava.  

Com seus dedos grossos e mão pesada, foleava todas as manhãs com extrema sutileza, o exemplar standard do Correio do Povo com seus 10 cadernos. Ninguém tocava no jornal antes dele, era uma das regras de convivência da casa da Álvaro Chaves, 505, somente quebrada quando meu tio chegava para as festas de final de ano.

continua...


Chapter 2

 

No mais tudo era paz. Meus tios tinham uma preocupação com o bem estar dos vizinhos, nossas conversas eram aos cochichos, eu não entendia bem o porquê. caminhava-se nas pontas dos pés, arrastar uma cadeira nem pensar... Manias! Coisas de gente da capital, casal sem filhos, que mal faz arrastar uma cadeira? 

Eu, criado na Vila do Sapo, não entendia essas preocupações. Nossos vizinhos não eram tão exigentes assim. Nunca vi o Antônio Merdaco ou o João Louco, o corno mais feliz da Vila do Sapo, reclamarem por qualquer vozerio mais alto na  avenida que morávamos no Bairro Nossa de Fátima. E por falar em João Louco, esse mereceria um capítulo a parte, quem sabe um dia ainda escrevo sobre a forma como ele se esquivava para deixar o caminho aberto para o "Cabelinho", (cara de boa aparência traje refinado mas gosto estranho para mulheres), chegar até a cama da dona Z, esposa do corno João Louco;  Antônio Merdaco também tinha seu histórico no serviço de saneamento, pelo nome, imaginam com o quê. Mas isso não vem ao caso.

Eu, por ser convidado, cumpria todos as exigências no pequeno apartamento da família Caetano. Tomava banho todos os dias, escovava os dentes, brincava silenciosamente
com a escova de chão, meu fusca imaginário - uma vez em companhia do meu querido avô, apreciamos por horas em uma vitrine da Otávio Rocha, um fusca bombeiro bate-volta que eu, com minha imaginação fértil, acreditei que seria presenteado - sonho até hoje. Na falta do fusca, servia-me a escova de chão, nunca tive brinquedos de menino em minha infância, coisa rara para os filhos dos proletariados naqueles tempos... 

E assim minha visão foi abrindo... continua em breve

sábado, 26 de junho de 2021

Chapter 1

 


Já passava brincando metade da década de 60, quando fui apresentado às colunas do Café Rian, térreo do Edifício Santa Cruz ali na Rua da Praia em Porto Alegre,  local frequentado por jornalistas, políticos, profissionais liberais, jogadores de futebol, estudantes e uma boa parte da burguesia  que fazia questão de passar por lá só pra ser notada por algum colunista ou jornalista novato que sem matéria usava a aparição para promover o nome.

Eu, rapazote  com pouco mais de 12 anos, viajava para capital durante as férias de verão e fazia pousada no apartamento de meus tios, ela professora do estado, ele economista do Deprec e professor na PUC-RS. Um casal sem filhos que dividiam o pequeno apartamento da rua Vasco Alves, 229 - entre as ruas Riachuelo e Andradas, centro histórico da capital gaúcha - com sua mais que secretária, Divah, que os serviu até o fim da vida. 

Era uma habitação pequena com cozinha, dependência de empregada com banheiro, sala, quarto, biblioteca e banheiro social com banheira e junker a gás, coisa fina pra epóca. Ainda tinha uma pequena área de serviço ao lado da cozinha onde podia-se ouvir as conversas dos vizinhos e espiar o edifício ao lado. 

Eu dormia na biblioteca. Improvisava a cama em uma poltrona reclinável que meu tio usava para ler seu livros e organizar suas coleções. Ele adorava livros! Tinha uma curiosidade intrínsica sobre tudo  pesquisando a fundo qualquer assunto só para ter argumentos e fundamentos para discutir os arrancarabos da época com os colegas da repartição. Colecionava selos, moedas, discos e vinhos portugueses, comprava todas  as revistas e jornais, estava sempre bem informado. 

Na sala um sofá de canto forrado com um plástico transparente, onde não se podia por os pés, tinha uma mesa com tampo em mármore e no canto da sala, em frente, uma tv Philco Predicta última geração, que nos passava as informações do mundo pelos dois canais disponíveis, TV Piratini canal 5, Rede Tupi naquele tempo ou TV Gaúcha canal 12 afiliada a TV Excelsior. 

Eu amava o conforto daquele lugar, as coisas todas em seu lugar, o cheiro dos livros o reflexo da luz nas lombadas multicoloridas o perfume da cola dos selos, a comida feita por Divah e o silêncio que só era quebrado pelo zunir dos bondes que freavam na curva da rua Gen Salustiano logo abaixo dos fundos do apartamento de onde da janela da biblioteca tinha-se uma visão completa da Usina do Gasômetro e sua magnífica chaminé. 

No mais tudo era paz. Meus tios tinham uma preocupação com o bem estar dos vizinhos, nossas conversas eram aos cochichos, eu não entendia bem o porquê. caminhava-se nas pontas dos pés, arrastar uma cadeira nem pensar... Manias! Um dia entenderia...

...continua