Já passava, brincando, da metade da década de 60 quando fui apresentado às colunas do Café Rian, no térreo do Edifício Santa Cruz, ali na Rua da Praia, em Porto Alegre. Era um local frequentado por jornalistas, políticos, profissionais liberais, jogadores de futebol, estudantes e uma boa parte da burguesia, que fazia questão de passar por lá só para ser notada por algum colunista ou jornalista novato. Sem matéria, muitos usavam essas aparições para promover nomes e alimentar as páginas sociais.
Eu, rapazote com pouco mais de 12 anos, viajava
para a capital durante as férias de verão e me hospedava no apartamento de meus
tios. Ela, professora do Estado; ele, economista do Deprec e professor na
PUC-RS. Um casal sem filhos que dividia o pequeno apartamento da Rua Vasco
Alves, nº 229, entre as ruas Riachuelo e
Andradas, no centro histórico da capital gaúcha, com sua mais que secretária,
Divah, que os serviu até o fim da vida com dedicação e afeto
quarto, biblioteca e banheiro social com banheira e junker a gás, coisa fina para a época. Havia ainda uma pequena área de serviço ao lado da cozinha, onde se podia ouvir as conversas dos vizinhos e espiar o edifício ao lado, como quem assistia discretamente a um teatro cotidiano.
Eu dormia na biblioteca. Improvisava a cama em
uma poltrona reclinável que meu tio usava para ler seus livros e organizar suas
coleções. Ele adorava livros! Tinha uma curiosidade intrínseca sobre tudo,
pesquisando a fundo qualquer assunto apenas para ter argumentos e fundamentos
nos arrancarrabos da época com os colegas da repartição. Colecionava selos,
moedas, discos e vinhos portugueses. Comprava todas as revistas e jornais,
estava sempre bem informado e gostava de conversar com precisão e entusiasmo.
Na sala, um sofá de canto forrado com plástico
transparente, onde não se podia pôr os pés, dividia espaço com uma mesa de
tampo em mármore. No canto oposto, em frente, uma TV Philco Predicta de última
geração nos trazia as informações do mundo pelos dois canais disponíveis: TV
Piratini, canal 5, da Rede Tupi na época, e TV Gaúcha, canal 12, afiliada à TV
Excelsior.
Eu amava o conforto daquele lugar. As coisas
todas em seu lugar, o cheiro dos livros, o reflexo da luz nas lombadas
multicoloridas, o perfume da cola dos selos, a comida feita por Divah e o
silêncio, que só era quebrado pelo zunir dos bondes freando na curva da Rua
General Salustiano, logo abaixo dos fundos do apartamento. Da janela da
biblioteca, tinha-se uma visão completa da Usina do Gasômetro e sua magnífica
chaminé, que parecia vigiar a cidade com imponência e nostalgia.
No mais, tudo era paz. Meus tios tinham uma preocupação
quase reverente com o bem-estar dos vizinhos. Nossas conversas eram aos
cochichos, eu não entendia bem o porquê. Caminhava-se nas pontas dos pés,
arrastar uma cadeira nem pensar... Manias! Um dia eu entenderia. Talvez fosse
respeito. Ou talvez fosse apenas o modo como se vivia naquela época: com
discrição, com cuidado, com uma elegância silenciosa que hoje parece esquecida.

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