No mais, tudo era paz. Meus tios
tinham uma preocupação quase obsessiva com o bem-estar dos vizinhos. Nossas
conversas eram sempre aos cochichos, eu não entendia bem o porquê. Caminhava-se
nas pontas dos pés, arrastar uma cadeira nem pensar... Manias! Coisas de gente
da capital, casal sem filhos. Que mal faz arrastar uma cadeira?
Antônio Merdaco também tinha seu
histórico no serviço de saneamento. Pelo nome, já se imagina com o quê lidava.
Mas isso não vem ao caso, ou talvez venha, num outro dia, com mais tempo e
menos pudor.
Eu, por ser convidado, cumpria
todas as exigências no pequeno apartamento da família Caetano. Tomava banho
todos os dias, escovava os dentes, brincava silenciosamente com a escova de
chão, meu fusca imaginário. Uma vez, em companhia do meu querido avô, ficamos
por horas admirando, numa vitrine da Galeria Otávio Rocha, um fusca bombeiro
bate-volta. Eu, com minha imaginação fértil, acreditei que seria presenteado
com aquele brinquedo. Sonho com ele até hoje.
Na falta do fusca, servia-me a
escova de chão. Nunca tive brinquedos de menino em minha infância, coisa rara
para os filhos dos proletários naqueles tempos. A infância era feita de
improvisos, de sonhos moldados com o que se tinha à mão. E, curiosamente, isso
não nos tornava menos felizes. Pelo contrário, talvez nos tornasse mais
criativos, mais resistentes, mais atentos às pequenas alegrias.
E assim, minha visão foi se abrindo. A capital me mostrava um mundo diferente, mais silencioso, mais contido, mais cheio de regras não ditas. Mas também cheio de livros, de aromas, de descobertas. Era como se eu estivesse entre dois mundos: o da Vila do Sapo, com sua espontaneidade ruidosa e personagens inesquecíveis, e o da Rua Vasco Alves, com sua elegância contida e seus rituais silenciosos. E eu, menino curioso, aprendia a transitar entre eles, absorvendo o melhor de cada um.

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