quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Chapter 17 - O João Louco do "chapter 2"

Conforme havia dito no segundo capítulo de nossa narrativa, dedicaria um aparte especial para alguns dos moradores da Vila do Sapo... aí vai o do João Louco:

Na Vila do Sapo, onde as histórias corriam soltas como os cachorros de rua e os fios de luz pendurados nos postes, havia um homem que se destacava não pela bravura, nem pela esperteza, mas pela serenidade com que aceitava o que a vida lhe impunha. João Louco, apelido que ninguém sabia bem de onde veio, mas que todos repetiam com naturalidade, era conhecido por sua calma quase filosófica diante das maiores humilhações domésticas.

Cabelinho
João tinha um filho que trabalhava numa funerária ali perto da Avenida Bento Gonçalves. O rapaz, sempre de camisa branca e calça preta, parecia carregar no rosto a seriedade do ofício. Diziam que ele era bom no que fazia: sabia lidar com o silêncio dos mortos e com o choro dos vivos. Talvez por isso nunca se metesse nas confusões da casa, onde o pai, vivo demais, era traído com uma frequência que já não causava espanto.

A esposa de João, a dona Z, era mulher de presença. Não era bonita nos padrões da revista Manchete, mas tinha um jeito de andar que chamava atenção. E quem mais se deixava atrair por esse andar era o vizinho Cabelinho, sujeito de boa aparência, sempre bem vestido, com um paletó de linho claro e sapatos engraxados que reluziam ao sol. Tinha um charme estranho, desses que não se explicam, e um gosto peculiar para mulheres casadas.

Cabelinho não fazia questão de esconder suas intenções. Passava pela frente da casa de João com um sorriso de canto de boca e um aceno discreto. Às vezes, levava um pão, outras vezes um jornal, sempre com uma desculpa para entrar. E João, como se fosse parte do teatro, abria caminho. Literalmente. Saía para comprar cigarros, ia visitar o filho na funerária, ou simplesmente sentava na calçada para conversar com o Antônio Merdaco, que também tinha suas histórias escatológicas no serviço de saneamento.

O curioso é que João nunca brigou, nunca gritou, nunca sequer levantou a voz. Alguns diziam que ele era louco mesmo, outros achavam que era sábio. “Melhor um corno tranquilo do que um macho nervoso”, dizia o velho Chico da padaria. E João, com seu jeito manso, parecia confirmar essa filosofia.

Na Vila do Sapo, todo mundo sabia do caso. Mas ninguém falava abertamente. Era como se houvesse um pacto silencioso de respeito à loucura serena de João. E ele, talvez por amor, talvez por comodismo, ou quem sabe por entender que a vida é feita de perdas e ganhos, seguia seu caminho sem alterar o passo.

Dizem que, certa vez, perguntaram a ele se não se incomodava com o Cabelinho. Ele respondeu com um sorriso:

— “Ah, deixa o homem ser feliz. A Z também precisa de emoção. E eu? Eu tenho paz.”

E assim, João Louco virou lenda. Não por seus feitos, mas por sua aceitação. Um corno feliz, um pai silencioso, um marido que entendia que nem todo amor precisa ser possessivo. Na Vila do Sapo, ele continua sendo lembrado com carinho. e com uma boa dose de riso.

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