Conforme havia dito no segundo capítulo de nossa narrativa, dedicaria um aparte especial para alguns dos moradores da Vila do Sapo... aí vai o do João Louco:
Na Vila do Sapo, onde as histórias corriam soltas como os cachorros de rua e os fios de luz pendurados nos postes, havia um homem que se destacava não pela bravura, nem pela esperteza, mas pela serenidade com que aceitava o que a vida lhe impunha. João Louco, apelido que ninguém sabia bem de onde veio, mas que todos repetiam com naturalidade, era conhecido por sua calma quase filosófica diante das maiores humilhações domésticas.
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Cabelinho |
A esposa de João, a dona Z, era mulher de presença. Não era bonita nos padrões da revista Manchete, mas tinha um jeito de andar que chamava atenção. E quem mais se deixava atrair por esse andar era o vizinho Cabelinho, sujeito de boa aparência, sempre bem vestido, com um paletó de linho claro e sapatos engraxados que reluziam ao sol. Tinha um charme estranho, desses que não se explicam, e um gosto peculiar para mulheres casadas.
Cabelinho não fazia questão de esconder suas intenções.
Passava pela frente da casa de João com um sorriso de canto de boca e um aceno
discreto. Às vezes, levava um pão, outras vezes um jornal, sempre com uma
desculpa para entrar. E João, como se fosse parte do teatro, abria caminho.
Literalmente. Saía para comprar cigarros, ia visitar o filho na funerária, ou
simplesmente sentava na calçada para conversar com o Antônio Merdaco, que
também tinha suas histórias escatológicas no serviço de saneamento.
O curioso é que João nunca brigou, nunca gritou, nunca
sequer levantou a voz. Alguns diziam que ele era louco mesmo, outros achavam
que era sábio. “Melhor um corno tranquilo do que um macho nervoso”, dizia o
velho Chico da padaria. E João, com seu jeito manso, parecia confirmar essa
filosofia.
Na Vila do Sapo, todo mundo sabia do caso. Mas ninguém
falava abertamente. Era como se houvesse um pacto silencioso de respeito à
loucura serena de João. E ele, talvez por amor, talvez por comodismo, ou quem
sabe por entender que a vida é feita de perdas e ganhos, seguia seu caminho sem
alterar o passo.
Dizem que, certa vez, perguntaram a ele se não se incomodava
com o Cabelinho. Ele respondeu com um sorriso:
— “Ah, deixa o homem ser feliz. A Z também precisa de
emoção. E eu? Eu tenho paz.”
E assim, João Louco virou lenda. Não por seus feitos, mas
por sua aceitação. Um corno feliz, um pai silencioso, um marido que entendia
que nem todo amor precisa ser possessivo. Na Vila do Sapo, ele continua sendo
lembrado com carinho. e com uma boa dose de riso.
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