terça-feira, 12 de agosto de 2025

Chapter 18 - O porteiro (suspeito 1)




O porteiro, seu Agenor, sempre foi figura discreta. Camisa engomada, bigode alinhado, olhar que parecia medir cada passo dos moradores. Mas agora, com os rumores fervilhando, sua presença ganhou outra densidade. Alguém comentou, entre um café e outro no Rian, que ele havia sido preso pelo DOI-CODI em 68. “Sumiu por quase um ano”, disse um senhor de boina, “e voltou com um olhar diferente. Mais calmo. Calmo demais.”

O Rian, com suas mesas de fórmica e cheiro constante de pão na chapa, era mais que um café, era confessionário, tribunal e palco. E seu Agenor era frequentador assíduo. Sentava sempre no canto, lia o jornal com atenção exagerada, e nunca comentava sobre política. Mas todos sabiam: quem não fala, às vezes sabe demais.

Foi numa manhã abafada que Alaya viu algo que o fez parar no meio do corredor: a pasta vermelha, aquela mesma que parecia ter vida própria, estava sob o braço de seu Agenor. Ele caminhava com naturalidade, como se carregasse apenas documentos rotineiros. Mas Alaya sabia, aquela pasta não era rotina. Era símbolo. Era ameaça.

Nilo, ao ser confrontado, apenas balançou a cabeça. “Ele voltou diferente, Alaya. Fez algum tipo de acordo, tenho certeza. Ninguém sai do DOI-CODI ileso... a não ser que entregue algo.”

O bilhete anônimo ganhava novo peso. “Ele escreve com tinta invisível e lê com olhos que não piscam.” E seu Agenor? Nunca piscava. Observava. Registrava. E agora, com os ensaios do Porão cada vez mais censurados, com textos diluídos e personagens sem voz, a suspeita se tornava quase certeza.

O Grupo Porão, antes espaço de resistência, agora parecia palco de uma peça escrita por mãos alheias. E talvez seu Agenor fosse o editor invisível. Ou o censor. Ou algo pior: o informante.

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