O comunista do café Rian
sábado, 2 de agosto de 2025
sábado, 26 de julho de 2025
Chapter 15 - Ecos e sombras
Nas manhãs cinzentas de inverno, quando a cerração cobria o Guaíba como um lençol de linho antigo, o “professor” saía cedo, sobretudo nos sábados. Ia em busca de exemplares esquecidos nas feiras da Praça da Alfândega, fazia amizade com livreiros de mãos amareladas e ouvidos atentos, sempre trocando algo mais que moedas: histórias. Os vendedores já o conheciam, sabiam que aquele homem de fala pausada e olhar perscrutador não comprava por impulso, e cada título tinha um propósito quase ritualístico.
Caminhava como quem recolhe memórias, passava pela Rua dos Andradas e desviava seu trajeto só para ouvir uma antiga vendedora de ervas desfiar causos do tempo em que até os militares respeitavam os benzedeiros. Era como se juntasse peças de um quebra-cabeça político-cultural que poucos ousavam montar. E tudo isso se acumulava nos cadernos de anotações de capa preta que só ele abria, sempre com mãos cuidadosas, como quem manipula relíquias.
O teatro da cidade. que vivia entre a resistência e o medo, também era lugar onde ele aparecia. Assistia discretamente às montagens do Grupo de Teatro Porão, cujas peças misturavam Brecht com referências locais e críticas sutis ao regime, um labirinto de simbolismos que só olhos treinados decifravam. Alaya, atento como sempre, dizia que os aplausos dele demoravam alguns segundos a mais... como se estivesse pesando cada cena.
E havia ainda uma pasta vermelha, que dizem ter sido vista entre os livros da biblioteca. Ninguém sabia seu conteúdo exato. Alguns diziam que continha a cópia de uma carta enviada ao então arcebispo de São Paulo, denunciando abusos do DOI-CODI. Outros afirmavam que ali havia mapas de túneis de fuga usados por exilados em Porto Alegre. Tudo era especulação, e talvez essa fosse a sua maior proteção.
O mistério permanecia. Nilo, cada vez mais cético, chamava tudo de exagero, ao que Alaya apenas sorria e dizia: "Histórias como essa só crescem porque sobrevivem. E sobrevivem porque precisam ser lembradas."
segunda-feira, 26 de maio de 2025
Chapter 14 - Presunção afirmada

terça-feira, 8 de outubro de 2024
Chapter 13 - Suspeição
Naquela década as nomeações ao Tribunal de Justina do Rio Grande não eram tão comuns como nos anos atuais onde mais de 20 novos desembargadores são nomeados todo ano. Nos anos 60 era raro haver mais de 3 indicações por ano. Foi numa dessas, que um velho amigo do corpo docente da PUC ingressou no grupo e no TJ/RS. Paulo Teixeira Frisont Filho, o "Professor", como o chamavam no grupo, era motivo de preocupação para Nilo e seus bacorejos,
Já para Alaya a chegada do "Professor" ao grupo, era motivação para novos discursos inflamados sobre o quê havia provocado o golpe de 1º de abril, o caos bancado pela UDN de Magalhães Pinto e Carlos Lacerda e a confiança de Jânio Quadros que oficiais de baixa patente fariam o golpe que o levaria ao poder novamente... "Error notorio", esbravejava ele.
os
domingo, 24 de dezembro de 2023
Chapter 12 - O ofício
Eu, por muitas vezes. esboçava um ar de intelectualidade que não condizia com a criação dos meninos da época, Alaya gostava de ver minha pose:
_ ¿Este chico frecuenta tu biblioteca gallega?
Eu não entendia nada do que eles falavam, Mais tarde quando voltávamos para o apartamento da Gen Vasco Alves, tirava minhas duvidas conversando com meu tio. Eu não tinha o tratamento de uma criança, talvez por ser mais alto que os moleques da minha idade, ou por eles não terem filhos. Hoje agradeço pelos ensinamentos dados pelo meu tio careca.
Alaya, estava sempre procurando um bode para cochichar em sua orelha, era seu ofício...
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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023
Chapter 11- Entre colunas
Sempre mau humorado, Alaya se postava regularmente entre as colunas do Café Rian, como se fosse ele, o alvo das atenções puxando para si a responsabilidade de julgamento das ações dos outros, mesmo contrariando um dos princípios fundamentais da irmandade, a tolerância. Com seu sotaque inconfundível, rosnava quando Demétrio fazia alguma insinuação sobre o governo e a posição do país que só "ia pra frente"...
_"Culo de mierda" no sabes lo que es democracia!
Ninguém imaginava que por trás daquela figura sem emoções, escondia-se alguém que não defendia a doutrina Noaquista e que era admirador do Marxismo em seus princípios fundamentais...
Chapter 10 - Alaya
nome era Antônio Irazabal Ayala, e o significado de Ayala, não era tão forte assim.
Filho de imigrantes bascos vindos da província de Bilbao na década de 50, logo após a formação do grupo terrorista ETA quando o ditador Franco estava no auge do poder na Espanha, a família desembarcou em Rio Grande no dia 19 de março de 51.
Antônio, não se sabe como, já com seus 25 anos e sem falar uma palavra em português, conseguira uma vaga na administração do Estado no governo de Ernesto Dornelles, dizem que a família Dornelles que tinha origens na península ibérica. devia alguns favores aos Ayalas da Epanha e, com isto, Ernesto, o governador do RS, pagou os favores dando emprego ao filho dos Ayala. Assim contavam os poucos amigos de Alaya...
Depois do período Franco na Espanha, pós constituição de 1978, os maçons voltaram a legalidade mas aí, a família Alaya já tinha cravado raízes fortes por aqui...
terça-feira, 18 de julho de 2023
Chapter 9 - Os amigos
Acho que não falei dos amigos de meu tio, os colegas de repartição, os economistas, ou, se falei, desculpe o esquecimento, vale a pena recordar as figuras estranhas da época.
Nilo, sujeitinho furtivo, olhava sempre de revesgueio(1), tinha mania de falar por cima do ombro das pessoas, cabelo lambido na Glostora, era colega de serviço do Harry.,Cine Cacique - Porto Alegre - Demétrio, um gozador por natureza, fazia piada de tudo, era admirador das bundas que desfilavam na rua da Praia, era professor de direito da PUC/RS.
- Lopes, pessoa super educada, refinado destoava do grupo/. Ele era economista do estado, aposentado da Mesa de Rendas de Porto Lucena, vivia seus dias nos cafés e cinemas do centro da cidade, tinha cadeira cativa no Cine Cacique, cinéfilo por natureza, contava sempre os finais dos filmes...
- Alaya, burocrata do DEPREC, entusiasta da ideias de Médici de que o Brasil era um "País que vai pra frente" e que "Ninguém segurava esse país"... Era direita de carteirinha, pelo menos era o que todos pensavam...
terça-feira, 11 de julho de 2023
Chapter 8 - O sequestro
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central de tortura DOPS Porto Alegre |
Dizem que a casa da rua Santo Antonio parou de funcionar depois que o corpo do ex-sargento militar Manoel Raimundo Soares foi encontrado, em setembro de 1966. Ele era contrário ao golpe militar, e foi barbaramente torturado no casarão por 28 militares e agentes da segurança, durante 152 dias, a mando do major Luiz Carlos Menna Barreto. O corpo foi encontrado nas águas do rio Guaiba com evidências da tortura e as mãos amarradas... Mas este era apenas mais um, entre centenas de boatos que circulavam pelos balcões do Café Rian... Nosso amigo Nilo talvez tivesse razão, operação OBAN efetivamente existia...
domingo, 27 de junho de 2021
O comunista do café Rian - Start
Toda vez que abro o álbum de fotos e me vejo ali, estático, braços cruzados à porta do Café Rian, vem-me a mente um passado cheio de cores, novidades, loucuras e aventuras, tempos que muitos desejam esquecer mas que para mim foram tempos de descobertas e crescimento. As lembranças afloram em minha mente como um flash fotográfico, cujos fragmentos estão sendo reunidos nessa crônica.
Chapter 6 - As donas boas